9/29/2023

Lamentações, Ato final

Para quem tem acompanhado a saga até aqui, estou ainda falando sobre esse maravilhoso livro de Lamentações. Como já disse anteriormente o significado é "Como...", porque levanta esse tipo de questão: Como é que todas essas coisas estão acontecendo conosco? Se existe um Deus, como estamos nessa confusão? Como vamos sair dessa luta?

Aqui também existem umas coisas interessantes sobre sua estrutura. O Capítulo 3 tem 22 estrofes. O alfabeto hebraico tem 22 letras. Cada estrofe começa com uma letra sucessiva do alfabeto hebraico. A primeira estrofe começa com "alef" ou A, a segunda com "bet" ou B, a terceira "gimel" que seria o C e assim por diante... Além disso, cada estrofe tem 3 versos, cada verso começa com a mesma letra. Você pode começar a sentir que o escritor pode ter recebido alguma ajuda do alto...

Dê uma olhada em Lamentações 3.1. Há uma frase muito interessante ali: "Eu sou o homem que viu a aflição pela vara da ira do Senhor". Geralmente entendemos a ira como um símbolo de raiva. É assim que entendemos esta passagem? A ira tem um significado mais profundo. Os judeus entendiam a ira como uma mistura de sentimentos de paixão e sentimento de luto, mais próximo da decepção do que da raiva.

Imagine isso: alguém que te ama tanto e acredita tanto em você, está tão comprometido com você, que quando você deixa de viver de acordo com quem você realmente foi criado para ser, sente a dor do seu fracasso em seu próprio coração. Alguém tão apaixonado por você que quando você esquece seu próprio senso de valor, dignidade, vocação, destino... Sente a mesma dor que sentimos quando choramos, quando sofremos. E então essa pessoa, apesar do seu amor, tem que te corrigir, te disciplinar, te redimir.

Essa é uma maneira diferente de entender a "ira de Deus". Um Deus infinitamente comprometido em te amar, cuidar de você, te ajudar a cumprir o seu destino, que quando ele ver como o nosso pecado, o nosso egoísmo, o nosso último foco ou o nosso foco nas coisas erradas, nossa falta de fé em quem realmente somos estão atrapalhando, está empenhado em corrigi-lo, em colocá-lo de volta no caminho certo, em lembrá-lo de quem você é e a quem pertence. E às vezes isso significa permitir-nos enfrentar as consequências do nosso pecado para que possamos crescer e ser verdadeiramente transformados. Porque independentemente das nossas circunstâncias, no meio da tempestade, o nosso lugar mais seguro sempre será o caráter de Deus.

Veja os versículos 22, 23: "Por causa do grande amor do Senhor". A palavra hebraica para amor aqui é "Chesed": amor, graça, compaixão; carrega a ideia de que Deus cumpre sua palavra. E que seu amor continua indefinidamente... além das circunstâncias. "Suas compaixões, em algumas versões misericórdias" é originalmente "rachamim" e significa que assim como uma mãe protege o bebê em seu ventre, é assim que Deus cuida, nutre e protege aqueles que ele ama. O que me lembra muito a minha própria mãe...

Mamãe era tipicamente calma. Ela não gostava de criar confusão, não se incomodava com pequenas coisas. Mas há algumas coisas que a irritavam, e a pior delas era a injustiça. Onde quer que ela visse injustiça, ela se sentia compelida a falar, a defender, a tomar posição. Principalmente se essa injustiça fosse dirigida ao filho dela! Era certeza que a mãe coruja ia aparecer e era melhor você sair do caminho!

Mas o que realmente a incomodava era quando eu, seu filho, agia de maneira injusta, rude ou desrespeitosa contra outra pessoa. Isso a faria chorar e ela me dizia muito claramente: "Eu não criei você para agir assim". Essa frase doeu bem mais que uma surra porque sabia que a havia machucado. A sensação de decepção era clara e faria qualquer coisa para mudar isso! Porque no fundo sabia que ela me amava e que não havia nada que ela não fizesse por mim, portanto, quando a magoava sabia que não havia como justificar ou explicar. Precisava mudar.

Você acha que é uma coincidência que Deus tenha usado a imagem do útero quando quis explicar quão constantes e confiáveis são suas compaixões? E a última palavra a considerar aqui é Fidelidade, "emunah": seria amém, "assim seja". Você sempre pode confiar em sua palavra porque ele sempre a cumprirá - e às vezes precisamos superar nossa desconfiança nas pessoas que falharam conosco no passado para podermos abraçar um Deus que é o mesmo ontem, hoje e sempre, que nunca nos deixará ou vai nos trair.

Por que esperamos e por que confiamos? Por que insistimos em viver assim, o jeito de Jesus? Porque ele é quem diz ser! Concluindo: Deus é por nós, seu amor nunca falha e você pode confiar em seu coração para sempre. A questão então é: se Deus existe, e Seu amor é tão incrível, o que seria necessário para que Ele demonstrasse ira contra nós? O que O irritaria? Por que Ele exerceria Sua vara de ira??? Se Ele ama, se Ele se importa, se é como uma mãe, por que exerceria o castigo com ira e raiva? A resposta pode ser encontrada nos versículos 34-36: Justiça.

O que Israel estava fazendo que inclinou a balança a tal ponto que, em seu amor, graça e misericórdia, Deus teve que lidar com eles com punição? Destruindo prisioneiros; negar direitos básicos às pessoas; pervertendo a justiça. Eles deveriam ser uma luz para as nações, mas em seu direito estavam deturpando a Deus.

Se testemunhamos algo nos últimos anos foi um despertar na luta pela justiça. E podemos ver isso à escala global, nacional, mas também a nível comunitário e até a nível pessoal para muitos de nós. Vivemos com a realidade de que às vezes a maior expressão do amor é a manifestação da justiça, e a maior negação do amor é a negação da justiça.

A questão que surge deste texto é: estou praticando a justiça?

Esmagar sob os pés todos os prisioneiros da terra... esmagar é despedaçar alguém, reduzi-lo a pó. A ideia é que quando transformamos prisioneiros em pó, violamos a justiça de Deus. O texto identifica que os presos, são pessoas à imagem de Deus. Se você percorrer a lista de personagens bíblicos que foram prisioneiros, encontrará José, Daniel, Pedro, Paulo... e Jesus. Uma questão que precisamos considerar é: como tratar o menor deles? Os sem abrigo, os pobres, os desempregados, os marginalizados, os deficientes, os que estão em baixa, os que precisam de ajuda. Deus quer que tratemos as pessoas com justiça. Quando os maltrato e quando os ignoro estou negando-lhes a dignidade que Deus lhes destinou quando foram criados, os planos que Ele tem para suas vidas, os sonhos que tem para cada um deles.

Negar os direitos de uma pessoa diante de Deus; de que direitos ele está falando? Deuteronômio 16.18 nos diz que parte da aliança é julgar as pessoas com justiça: considerá-las como humanos, vê-las como Deus as vê. Quando julgamos injustamente, falhamos na justiça. Como faço julgamentos sobre os outros? Como falamos com pessoas que passam por circunstâncias difíceis como divórcio, separações, conflitos familiares, desemprego, rupturas... quando elas não estão no seu melhor e precisam de um reflexo do coração de Deus?

Negar (errar) uma pessoa em sua causa; a ideia é que você tenha uma disputa entre duas pessoas, e se eu tirar vantagem da outra pessoa, ou se distorcer a verdade para me fazer parecer bem e fazê-la parecer mal, errei essa pessoa em sua causa. Como lidar com as pessoas quando tenho uma disputa com elas? Ainda sou capaz de vê-los da perspectiva de Deus ou tenho que derrubá-los para me sentir o vencedor da disputa? Já vimos situações em que ganhamos a briga, ganhamos o debate, mas perdemos o relacionamento? Poderíamos reimaginar essas situações a partir de um ponto de justiça amorosa, quando ainda podemos defender o que é certo, mas em vez disso dando à pessoa um sentido de dignidade e valor?

O versículo 40 nos chama a retornar ao Senhor! "Shuve" (teshuva, arrependimento) é a ação aqui, quando caminho de volta na direção do Senhor. É dar meia-volta, voltar para Deus, rever meus passos e encontrar os lugares onde preciso fazer as pazes, pedir perdão, corrigir meus erros, reconhecer meus erros. O arrependimento sem redenção é vazio! É por isso que o versículo 41 diz "elevamos os nossos corações (atitude interior) e as nossas mãos (atitudes exteriores)". Nossa vida interior se manifesta através de nossos atos e de minhas palavras. Precisamos de uma mudança de atitude e de nossas ações. O chamado é mostrar os frutos do nosso arrependimento de maneira prática.

Deus é bom, fiel, atencioso e protetor, como mãe; mas ele não suporta a injustiça. O que desencadeia Deus? Injustiça. Então nos perguntemos humildemente: como tratamos os menos favorecidos entre nós, como julgo os outros e estou tratando as pessoas de maneira justa, mesmo quando tenho conflitos com elas? E quando encontro respostas que me mostram que fiquei aquém do nosso destino de ser as mãos e os pés de Cristo em nossa comunidade, deixando de representar o seu caráter, então me envolvo com Deus em sua obra de restauração, acreditando em Seu sonho de redimir todos pessoa e construir o Seu Reino em todas as culturas do mundo.

Que o seu amor encha nossos corações e seja demonstrado através das palavras que falamos e das ações que criamos. Por mais falhos que sejamos, que a Sua justiça flua como um rio até que vejamos o Seu Reino manifestado no nosso mundo. E que possamos viver uma vida em que o amor e a justiça caminhem juntos para a glória de Deus!


0 comments:

Postar um comentário