10/06/2023

A bíblia e as mulheres

Estava eu navegando na internet quando aparece um post de uma página ateia falando sobre uma passagem do velho testamento onde dizia que a mulher que menstrua é impura (Levíticos 15:19), sem analisar o contexto desse livro que já é por si só o mais difícil de se entender dos pentateucos, e sem compreender a época em que foi escrita a dita passagem.

O contexto fala sobre a menstruação e o sêmen, sexo nunca foi algo sujo para Deus vide Cântico dos Cânticos, Deus criou o sexo para o prazer de marido e mulher assim como para a continuidade da raça e continuidade da aliança. O sexo não está separado da espiritualidade e do cuidado de Deus. Ele se interessa pelos seus hábitos sexuais, afinal tendemos a separar nossa vida física da espiritual, mas existe uma inseparável ligação entre elas.

Bem explicado isso e refutando a ideia de que sexo é só para multiplicação, como muitos acusam, vamos ao ponto da postagem da imagem, imaginem a seguinte situação:
Você está em um deserto, um calor de matar, está andando por horas, talvez até dias, sem lugar de água corrente, sem um desodorante dos bons. Convenhamos que sua higiene não vai ser lá das melhores, certo? Agora imagine que absorvente é algo que não é tão antigo assim, não existe a mais de 2 mil anos... Então imagine que também não existia ginecologista e qualquer sangramento poderia significar uma doença contagiosa e a medicina também não era tão avançada para saber que fluídos corporais podiam transmitir doenças.

Agora junte tudo isso e pense em um homem querendo ter relação com a mulher em meio a tudo isso, relembrando sem água corrente, sem falar que esse período também causa dores, seja cólica, dor de cabeça, dor nas pernas, dor nos seios, órgãos internos mais sensíveis e algumas até desmaiam por baixar a pressão. Se hoje já não é fácil, imagine antigamente, bem antigamente.

Deus observando os dias delicados das mulheres neste período e visando proteção à saúde das pessoas, solicitou em seus ensinamentos que as mulheres fossem restringidas a algumas atividades durante o seu período menstrual.

Outro objetivo de Deus que podemos analisar é a vontade Dele de ajudar as mulheres, em sua infinita sabedoria, proibiu que pessoas entrassem em contato com locais em que mulheres menstruadas estavam. Isso ajudava a manter o controle de doenças e permitia que as mulheres não passassem por humilhações.

Até hoje mulheres ainda cumprem esta lei, mesmo sem perceber. Para que tenham uma vida normal em seu período menstrual, minimizam todas as possíveis complicações que possam ter, usam absorvente para não passar nas roupas e até mesmo as cólicas são minimizadas com remédios. Um dos principais focos desta passagem é a higiene e saúde de todos.

Porém, esse ainda não era o ponto que eu queria chegar. Tinha comentários dizendo que a bíblia é machista e misógina, mas será que é verdade? Sendo eu irremediavelmente patriarcal, (não no sentido desvirtuado de hoje onde jogam machismo e patriarcado no mesmo bolo) fiquei refletindo e cheguei a conclusão que Deus sempre trabalhou de maneiras extraordinárias na vida das mulheres. A Bíblia não é simplesmente um registo do domínio patriarcal, mas sim uma história em desenvolvimento do Divino que se cruza com a vida das mulheres, as capacitando e afirmando o seu valor. E é sobre isso a "conversa" de hoje...

No mundo antigo, as mulheres enfrentavam frequentemente oportunidades limitadas e restrições sociais? Sim, não se pode negar isso. Porém devemos nos ater ao fato de estudar a cultura na época para não termos conclusões errôneas. E sim, lendo a bíblia descobriremos muitos erros, todos eles em nós!

Vamos começar explorando a vida de Ester. Ester, uma mulher judia, encontra-se numa posição de grande influência como Rainha da Pérsia. Numa notável reviravolta nos acontecimentos, ela usa a sua voz e o seu arbítrio para salvar o seu povo da destruição. A história de Ester destaca o poder de uma mulher corajosa que cumpriu seu chamado, confiando que Deus poderia trabalhar através dela para trazer redenção e libertação.

E falar o que então sobre a juíza Débora? Que se destaca não apenas por sua sabedoria, mas também por sua coragem. Não falarei muito sobre, pois estou preparando um post especial sobre ela, mas ela era juíza, estrategista militar, poeta, cantora, compositora e profeta. Aliás a única pessoa fora ela que tinha uma combinação de profeta e juiz era Samuel.

Outro exemplo poderoso é encontrado no Novo Testamento. Numa cultura onde as mulheres eram frequentemente marginalizadas, Jesus se envolveu intencionalmente com elas, as tratando com dignidade e respeito. O ministério de Jesus abraçou as mulheres como participantes essenciais no Reino de Deus. Vemos isto nas suas interações com a mulher samaritana junto ao poço, Maria Madalena, e com as mulheres que apoiaram financeiramente o seu ministério. Jesus quebrou as normas sociais, afirmando as mulheres como indivíduos valorizados, iguais em valor e merecedoras de amor e graça.

Christ and the Samaritan Woman by Annibale Carracci

Além disso, o apóstolo Paulo, muitas vezes criticado pelos seus ensinamentos sobre gênero, também oferece vislumbres de afirmação. Em sua carta aos Gálatas, ele escreve: "Não há judeu nem gentio, nem escravo nem livre, nem homem e mulher, pois todos vocês são um em Cristo Jesus". Esta declaração radical desafia a dinâmica de gênero prevalecente no seu tempo, afirmando a posição igual de homens e mulheres dentro do corpo de Cristo ou da comunidade.

Na mesma carta, Paulo envia saudações a Priscila e Áquila, marido e mulher que fizeram parceria com ele no ministério. Vale a pena notar que Priscila é mencionada primeiro em vários casos, se afastando da prática cultural típica de priorizar os homens. Isto destaca o respeito mútuo e a colaboração entre Priscila e Áquila, pois serviram fielmente a igreja e ajudaram a educar Apolo nos caminhos de Cristo.

Além disso, na sua carta aos Filipenses, Paulo expressa gratidão por Evódia e Síntique, duas mulheres que lutaram ao seu lado por causa do Evangelho. Os seus incansáveis esforços e contribuições para o ministério são reconhecidos, enfatizando o papel vital que as mulheres desempenharam no avanço do movimento cristão primitivo.

Embora as instruções de Paulo nas suas cartas a Timóteo e aos Coríntios tenham por vezes sido interpretadas como limitativas do papel das mulheres, é importante considerar o contexto mais amplo. A preocupação de Paulo nestes casos parece ser a abordagem de questões específicas dentro de comunidades específicas, em vez de estabelecer restrições universais à participação das mulheres. Além disso, devemos interpretar estas passagens à luz dos temas gerais dos escritos de Paulo e das numerosas afirmações de mulheres em outras partes de suas cartas. Leve em consideração a orientação dele para as mulheres cobrirem a cabeça durante os cultos (1 Coríntios 11.2-16). Considerado separado do seu contexto, este texto parece sexista e chauvinista. Mas se considerarmos que no Império Romano as mulheres solteiras eram obrigadas a expor os cabelos, enquanto as mulheres casadas e as viúvas tinham de cobrir os cabelos, podemos ver como esta orientação é um sinal de proteção contra a exposição, contra potenciais abusos. É como Paulo está dizendo para eles: "aqui, nas nossas reuniões, você não precisa se expor, não precisa ser apresentado como algo para consumir, mas queremos que você tenha a mesma dignidade e valor de todas as outras mulheres."

Na sua carta aos Romanos, Paulo elogia Febe, uma diaconisa, como serva de confiança da igreja. Pede aos romanos que a acolham e lhe prestem toda a assistência necessária, destacando o papel significativo que desempenhou na comunidade. Em nossos dias, a maioria dos teólogos concorda que foi Febe quem entregou pessoalmente a carta às igrejas em Roma, apresentando e explicando a eles a teologia de Paulo. Este é o tipo de responsabilidade confiada ao seu melhor aluno, ao seu discípulo mais fiel.

É claro que os escritos do Apóstolo Paulo contêm afirmações e desafios relativos às mulheres na comunidade cristã primitiva. Porém como disse, devemos abordar estes textos com sensibilidade e buscar uma compreensão equilibrada, considerando o contexto mais amplo e as normas culturais vigentes na época.

Devemos também reconhecer as inúmeras mulheres ao longo da Bíblia cujas histórias podem parecer ocultas, mas são, no entanto, significativas. Desde parteiras corajosas que desafiaram as ordens do Faraó no Êxodo até mulheres como Lídia, Priscila e Júnia mencionadas no Novo Testamento, a Bíblia reconhece as suas contribuições e os papéis vitais que desempenharam no Reino de Deus.

Ao refletirmos sobre estas narrativas, devemos lembrar que a Bíblia não é apenas um documento histórico, mas um texto vivo que nos convida a um diálogo contínuo com Deus. É um convite para reexaminar os pressupostos culturais e abraçar uma compreensão mais ampla da afirmação de Deus sobre as mulheres.

Para encerrar, celebremos a profunda afirmação das mulheres que encontramos na Bíblia. Que possamos ser inspirados pela história de coragem de Ester, pela fé e ação de Débora, pela compaixão de Jesus e pela visão inclusiva de Paulo. Defendamos o valor inerente e a igualdade de todos os indivíduos, trabalhando em conjunto para desmantelar as barreiras que restringem e desvalorizam qualquer pessoa, independentemente do seu gênero. Ao fazê-lo, participamos no trabalho contínuo do Reino de Deus, onde é celebrado o pleno florescimento de toda a humanidade.


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